O vento
Sempre a voltear despenteando ideias,
O esquecimento a incendiar-se
No rosário da mesquinhez.
Quem sou eu,
Resto gasto do passado,
Chuva de desejos,
Enchente de nadas,
Displicente avalanche de murmúrios.
E tantas gaivotas ancoradas no lodo.
O brilho mole a engolir charcos
A morte a anunciar-se
Em neons nocturnos
Na rigidez das formas
Nas sombras dos limites
No escuro do fundo.
E sempre ela a espreitar…
Eu e o meu olhar
Também a espreitarem
Por detrás do espelho da vida
Espectador de mim mesmo.
Qual de nós morrerá primeiro?
Qual de nós
Eu ou o meu reflexo?
E quando eu for
Ele ainda aí ficará a olhar-te desconfiado?
E eu a sentir-me despido
Nunca nu
E uma casa sem telhas
Um telhado sem pétalas,
Praias em labaredas
E labaredas sem formas
E flores sem gente
E o brilho ensurdecido
No olhar sem cor
E os olhos muito abertos
Da morte,
E o comboio na noite
(fita interminável de brilhos)
E o teu corpo fresco
A vir até mim em brisas fugazes
E tu mulher vento sempre a soprar
Dentro da minha cabeça
E uma vida a murchar
E a sorte a desfolhar
A vontade a amarrotar-se na doença
E a rosa esfiapada
E a luz mansa a poisar
Na curva obtusa
E uma mão pendurada
Por cima do ombro da morte aos quadrados
A cabeça tonta encostada ao vazio
E o laço de cabelo cortado
A esventrar o alvo de setas
E o rosto das molduras,
Medalhas de carne
E a vida a boiar
No lodo do olhar
O sorriso herdado
O ir devagar
O pingo de poesia
Nos pelos do azar
O uivo na noite parada
O trotar das ideias
Uns óculos aduncos a levitar
E o colar de desgraças a enfeitar
As capas da memória
Fernando Jóia 05
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